terça-feira, maio 23, 2006

D. Lurdes ou A Fonte da Eterna Juventude

Quando era pequenina tomavam conta de mim. Era tão bom: a roupa aparecia magicamente nas gavetas, a comida na mesa, a loiça no armário. Havia sempre toalhas limpas nos toalheiros, as camas era feitas de lavado todas as semanas e o pó desaparecia de cima das mobílias. À medida que fui crescendo, começou a haver uma certa pressão para que eu participasse nestes rituais que permitiam que a magia acontecesse. Começou a ser-me pedido que lavasse a loiça, que fizesse a cama, que arrumasse o quarto...
Foi mais ou menos nesta altura que fui viver com os meus avós, o que permitiu ter quem tomasse conta de mim durante mais alguns anos. É verdade que tinha que fazer a minha cama de manhã e que pôr a mesa, mas a minha avó tomava muito bem conta de mim e a roupa continuava a aparecer nas gavetas, a comida na mesa e por aí fora. Não me passava pela cabeça ser de outra forma, "tomar conta" era a vida dela e nunca lhe poderia roubar isso. Dava-lhe um prazer enorme fazer a minha comida preferida e ter a casa sempre a brilhar.
Claro que isto não poderia durar para sempre e acabei por ter que crescer. Felizmente ainda tenho avó, infelizmente, aos 92 anos, ela nem dela própria toma conta. Aliás, há mais de dez anos que tem quem tome conta dela.
O facto é que, de repente, a magia acabou. A roupa começou a aparecer em montes. Se eu me esforçava para remediar a situação, o número de montes aumentava: de um monte de roupa suja passava a um monte de roupa suja, outro de roupa estendida, outro de roupa por passar e mais um de roupa por arrumar. Gavetas vazias. A cama passou a arejar diariamente de manhã à noite. O pó começou a marcar a posição exacta dos objectos nos móveis: se fosse roubada saberia exactamente o que faltava.
Eventualmente percebi que a minha casa era um sistema que tendia irremediavelmente para o caos. Entropia pura. Ora toda a gente sabe que é perigoso criar criancinhas indefesas no meio do caos. Depois de alguns anos de muito stress e roupa amontoada, a tentar controlar o caos enquanto o nosso filhote crescia, decidimos levar o nosso orçamento ao limite e arranjar quem tomasse conta de nós.
Agora a magia voltou: a roupa está de novo nas gavetas, a sopa aparece feita na panela, posso ser roubada que não dou pela falta dos objectos, as camas estão feitas quando chego a casa. Não tenho roupas caras, não faço viagens, não tenho uma casa bem decorada, mas tenho uma D. Lurdes!
Ah, tudo isto para contar que me voltei a sentir uma criança outra vez. Hoje, cheguei a casa e descobri que a D. Lurdes tinha arranjado o último brinquedo que estraguei: aparou o pêlo da minha cadela.

9 comentários:

Anónimo disse...

Bendita D. Lurdes!!!! Realmente assim sempre tens tempo para beber café com as amigas e andas mais bem disposta...o problema é o mês de Agosto!!!!

Mamaíta disse...

Todos nós temos de escolher prioridades na nossa vida. E se a tua se torna mais fácil e feliz com uma D.Lurdes, aproveita!
Este teu post fez-me pensar na minha infância, onde também tinha uma mae que devia ter um dia de 48 horas, nunca percebi muito bem como ela conseguia fazer tanta coisa num só dia... Trabalhava fora de casa desde os meus cinco anos, tinha 3 filhas, um marido nada fácil e que nunca ajudou muito nem na casa, nem na educacao das filhas, e apesar de tudo isto tinha sempre a casa arrumada, todas tinhamos as nossas tarefas, mas ela era incansável e ainda é...
E entretanto cresci e tornei-me eu numa dona de casa e numa fé do lar de uma ou outra família...

BlueAngel aka LN disse...

A mim ainda me aparece tudo feitinho, privilégios de quem ainda vive em casa dos pais. Apesar de haver coisas que eu própria faço, obviamente. A minha mãe tb procura uma "D. Lurdes" mas não está fácil, porque cada vez é mais difícil confiar o suficiente em alguém para tratar das nossas coisa. Que sorte que tu tens e que sorte que teve a tua cadela! :-)

Atena disse...

É tudo uma questão de organização e de levantar cedo.
O dia bem orientado dá para muita coisa .
Bons sonhos

DIV de divertida disse...

Fizeste-me recuar à infância e sentir o sabor actual de ter irremediavelmente de tomar conta de mim e de tudo o que está à minha volta....
Sensação de controlo, mas mto triste...

:) disse...

E que venha um clone da D. Lurdes aqui para a "mesa" do canto por favoooorrr ;o)

jinhos
Ana A.

Rosa disse...

Também querooooooooooo!

Elora disse...

Assim que me sair o Euromilhões, começo a oferecer D. Lurdes!

nspfa disse...

As empregadas de limpeza são excelentes no inicio pa cativar. Fazem coisas que não nos passa pela cabeça! Mas é sol de pouca dura... ou tiveste muita sorte ou daqui a uns meses vais começar a encontrar defeitos nela. Acredita que de D. Lurdes percebo eu