O essencial, para mim, não inclui móveis. Inclui beijos, abraços, carinho, piadas, conversas, livros, televisão, borgas e viagens. Também não inclui roupa. Portanto conseguem imaginar facilmente a situação cá em casa, com tudo nu a ver televisão e a falar muito depressa, tudo ao mesmo tempo, sentados em cima de livros e abraçados uns aos outros. Claro que a situação não é assim tão grave e mete alguma roupa e alguns móveis também. No início os móveis foram herdados, mas aos poucos, com a chegada das crianças, as avós foram-se rebelando. Como quem não quer a coisa iam oferecendo mobílias, cortinados, etc. Sempre diplomaticamente, sugerindo que se eu escolhesse pagavam. Assim foram mobilados e decorados os quartos e parte do resto da casa. Restava a sala, com os primeiros sofás que comprámos e que já viram muita coisa, não sendo muito confortáveis à partida.
A sala andava a meter-me impressão: era fria e pouco aconchegante. A mobília foi comprada para a nossa primeira casa, cuja sala tinha um terço do tamanho. Lembro-me da reacção de uma colega, quando foi pela primeira vez à minha casa: "pois, de facto móveis não tens..." E toca de me oferecer um quadro lindíssimo, pintado pelo marido. A verdade é que, por mais impressão que me fizesse ter uma sala apresentável não era essencial. Prioridades...
A verdade é que os meus próprios pais demoraram a vida inteira a decorar a casa. O meu pai sonhava com uns sofás de couro, caríssimos, que acabou por comprar já doente. Também sempre quis um casamento católico que acabou por ter sentado num dos ditos sofás.
Em Julho a minha mãe achou que eu devia ficar com os sofás, os ditos, os castanhos grandes. A minha primeira reacção foi recusar. Não foram escolhidos por mim, eram muito grandes e não combinavam nada com as cenas azuis da sala. Mas depois pensei que eram melhores que os meus velhotes. E mais confortáveis. E que os puffs podiam ser forrados...
Assim, no início do mês decidi-me. Com a ajuda da Pipoca pintei uma parede de laranja. Contactei uma empresa de mudança e pronto, lá vieram uns sofás castanhos e nada essenciais.
A sala ficou mais pequena, mais quente e aconchegante. Gosto. Mas o que gosto mais foi de ter descoberto uma porta na sala, que a liga directamente a uma casa num pinhal perto do mar, onde havia um pescador que contava histórias com riso nos olhos e por onde espreito sempre que entro na sala e sinto o cheiro forte do couro. O cheiro é, esse sim, essencial e portanto invisível para os olhos, já dizia a raposa.