quarta-feira, setembro 26, 2007

O Essencial I

O essencial, para mim, não inclui móveis. Inclui beijos, abraços, carinho, piadas, conversas, livros, televisão, borgas e viagens. Também não inclui roupa. Portanto conseguem imaginar facilmente a situação cá em casa, com tudo nu a ver televisão e a falar muito depressa, tudo ao mesmo tempo, sentados em cima de livros e abraçados uns aos outros. Claro que a situação não é assim tão grave e mete alguma roupa e alguns móveis também. No início os móveis foram herdados, mas aos poucos, com a chegada das crianças, as avós foram-se rebelando. Como quem não quer a coisa iam oferecendo mobílias, cortinados, etc. Sempre diplomaticamente, sugerindo que se eu escolhesse pagavam. Assim foram mobilados e decorados os quartos e parte do resto da casa. Restava a sala, com os primeiros sofás que comprámos e que já viram muita coisa, não sendo muito confortáveis à partida.
A sala andava a meter-me impressão: era fria e pouco aconchegante. A mobília foi comprada para a nossa primeira casa, cuja sala tinha um terço do tamanho. Lembro-me da reacção de uma colega, quando foi pela primeira vez à minha casa: "pois, de facto móveis não tens..." E toca de me oferecer um quadro lindíssimo, pintado pelo marido. A verdade é que, por mais impressão que me fizesse ter uma sala apresentável não era essencial. Prioridades...
A verdade é que os meus próprios pais demoraram a vida inteira a decorar a casa. O meu pai sonhava com uns sofás de couro, caríssimos, que acabou por comprar já doente. Também sempre quis um casamento católico que acabou por ter sentado num dos ditos sofás.
Em Julho a minha mãe achou que eu devia ficar com os sofás, os ditos, os castanhos grandes. A minha primeira reacção foi recusar. Não foram escolhidos por mim, eram muito grandes e não combinavam nada com as cenas azuis da sala. Mas depois pensei que eram melhores que os meus velhotes. E mais confortáveis. E que os puffs podiam ser forrados...
Assim, no início do mês decidi-me. Com a ajuda da Pipoca pintei uma parede de laranja. Contactei uma empresa de mudança e pronto, lá vieram uns sofás castanhos e nada essenciais.
A sala ficou mais pequena, mais quente e aconchegante. Gosto. Mas o que gosto mais foi de ter descoberto uma porta na sala, que a liga directamente a uma casa num pinhal perto do mar, onde havia um pescador que contava histórias com riso nos olhos e por onde espreito sempre que entro na sala e sinto o cheiro forte do couro. O cheiro é, esse sim, essencial e portanto invisível para os olhos, já dizia a raposa.

9 comentários:

Teté disse...

Concordo com a raposa: o essencial é invisível aos olhos...

Quanto começaste a dizer o que para ti não era essencial, imaginei um pouco a cena caricata que descreves a seguir, ih, ih, ih!

Mas pronto, mesmo no não essencial é bom não se ser fundamentalista demais!

BlueAngel aka LN disse...

Os teus essenciais são muito próximos dos meus. A raposa tem toda a razão e que bom que deve ser passar por essa porta e ouvir as histórias do pescador. bejocas larocas

Escalla disse...

Compreendo perfeitamente o que dizes, quando olho para as casas cheias de bom gosto e perfeitamente decoradas dos meus amigos não deixo de apreciar, mas sei que eu nunca seria capaz de conseguir nada minimamente aproximado... :)
Grande abraço!! :)

Anónimo disse...

isso sim é essencial: as memórias que os pequenos pormenores fazem reviver, a saudade esbatida num gesto, numa imagem, ou mesmo num cheiro!
Carla

Ana disse...

LINDO!!!! Adorei, adorei! =) Escreves mesmo.... =) olha, o essencial é invisivel! =)

Adorei especialmente a parte da descoberta de uma porta na sala, herdada junto com os sofás. O essencial é invisivel, as memórias e saudades também são. E que seria de nós sem elas?

Correctíssimo, roupa e móveis não são essenciais. Mas quando há uma enorme carência do que é essencial, vai-se afogando as mágoas nos móveis e no armário a abarrotar.

Anónimo disse...

:)

Adorei este post. Parabéns.

Mamaíta disse...

Vejo que tens as tuas prioridades bem definidas, e fico feliz de ver confirmar o que há muito sei, o teu coracao puro e meigo. Gostei de saber dessa nova porta na sala, pode ser que me convidas a espreitar por ela numa possível futura visita. Gracas a ti também eu abri novas portas da minha memória há muito esquecidas...

Beijinhos, amiga:)

P.S.- E essa de nao teres móveis, olha que eu nem notei na minha visita, mas lembro-me da noite magnifica que tivémos nessa mesma sala ;)

Elora disse...

Teté: É essencial não ser fundamentalista.

Angel, Escalla e Vítor: Beijinhos.

Carla: As memórias são feitas de detalhes.

Vanadis: Gostei da cena de afogar as mágoas. Se bem que eu compro mais é canetas.

Mamaíta: És sempre bem vinda cá. Lembro-me muito bem da nossa noite. E também conheces a dita casa do pescador.

Ana disse...

Ui as tuas mágoas saem-te baratas...as minhas são mais sapatos, roupas e livros...tudo pra tentar melhorar problemas de auto imagem (por dentro e por fora...) =)