Releio o que escrevi e rio-me baixinho das metáforas parvas, num riso que se fragmenta a meio e cai no vazio. Bato os pés no chão para os aquecer e sinto-os barbatanas. Não tenho nada para escrever, na verdade. Não é tanto o não querer, é não ter nada para dizer. Está tudo bem, excepto o que está mal e disso não me apetece falar. Não penso nisso sequer. Ultimamente coloquei umas lentes cor-de-rosa e só vejo as partes boas. E são muitas.
Os meus filhos estão tão crescidos e tão lindos. Ontem, no elevador, reparei que o João está finalmente mais alto do que eu. Disse-lho e ele encolheu-se, a tentar que eu não me sentisse mal por me ver ultrapassada. Não senti. Senti orgulho, imenso orgulho. A Sofia lê tudo e desembaraça-se. Preocupa-me o facto de ter uma má relação com a escola. Preocupa-me o facto de me ter enganado redondamente em relação à personalidade dela. É uma criança carinhosa, sensível, muito preocupada com tudo e todos, super-atenta aos detalhes do que a rodeia. Penso que não os protejo o suficiente, com a mesma rapidez com que penso que os protejo demais. Cresceram tão depressa.
Sou cada vez mais mimada. Tenho ao meu redor um grupo enorme de pessoas que me enche de mimo e carinho e me faz sentir bem. Penso muitas vezes se será isso e não as drogas que me permite esta camada gelada de protecção e as lentes cor-de-rosa. Tenho tido tanta atenção por parte de todos. Poderia viver assim para sempre…Claro que para sempre não existe.
Para sempre não existe e sei que a Primavera há-de chegar e com ela o degelo. Hei-de ter de largar as drogas e nadar. Hei-de ter de enfrentar os predadores. Mas hoje não quero pensar nisso, hoje quero a dormência do gelo. Quero continuar assim, além.